terça-feira, 14 de novembro de 2017

“PRECISAMOS DE ROMPER COM O SISTEMA JURÍDICO EM CABO VERDE”, DIZ GERALDO ALMEIDA


O Estado da Justiça em Cabo Verde é assunto que há muito se tem vindo a falar no seio da sociedade cabo-verdiana, sendo que apontaram a morosidade como o principal factor da justiça. No entanto, ao falar com Geraldo Almeida, o advogado afirmou que para se ter uma justiça satisfeita para todos, é preciso romper o sistema.






EDUARDO AFONSO - Qual a análise que faz sobre a justiça em Cabo Verde?

GERALDO ALMEIDA – A análise da justiça é complexa, visto que tem condicionantes de ordem histórica no modo como ela foi organizada e devido às leis. No ponto de vista histórico, o sistema de justiça que nós temos foi instituído durante o Estado Novo Português, em que tínhamos um estado autoritário, em que os cidadãos tinham cada vez menos direitos. Com a democracia fizemos remendos com esse sistema em vez de o rompermos e, por isso, o sistema nunca melhorou. É de se lembrar que nos tempos coloniais havia mais tribunais do que agora (foram cancelados), e esses tribunais andam fazer falta. Em comparação à Europa, eles agora estão a recuperar esses tribunais. Isto é, o que quero dizer é que a organização do sistema judicial não cobre todo o país e não cobre todas as causas. Por conseguinte, o sistema que nós temos está falido e precisamos revê-lo no que toca aos conteúdos das sentenças. O sistema está mal montado e não facilita, então é preciso fazer uma reforma de fundo ou romper com o sistema que temos para que possamos ter uma justiça que satisfaça a todos.


Nas palavras dos nossos políticos, os magistrados é que são poucos. Como reage a esta afirmação?

É verdade! Os magistrados são poucos porque vão aumentando o número de causas todos os anos, mas o número de magistrados não. Se o número de causas e o número de magistrados não for compatível, já sabemos que isto vai envolver o aumento das pendências judiciais. Não é humanamente possível que um magistrado que comece a trabalhar vá despachar 500 causas por ano.

Alguns cabo-verdianos bem mo alguns analistas falaram sobre a morosidade da nossa justiça. A que se deve isto? Tem alguma forma de amenizar este problema?

A morosidade tem várias causas. Mas as causas da morosidade são o modo como o sistema foi organizado. Nós temos vindo a fazer várias reformas legislativas com vista a reduzir o número de actos judiciais para efectivamente se obter uma sentença. A morosidade também tem a ver com o número de processos que vão entrando e o número de juízes que estão lá para decidir essas causas. Resumindo, a principal causa da morosidade é a falta de juízes. Nós não temos magistrados suficientes para resolver todas as situações.

Há também um outro flagelo, o “kasu bódi”, em que alguns cabo-verdianos reclamaram que os assaltantes que dão “kasu bódi” são soltos um dia após terem feito o assalto. E isto está a preocupar a nossa sociedade. Enquanto jurista, como vê esta situação?

Do mesmo passo que há pessoas a reclamar que na verdade se soltam criminosos, também há pessoas a reclamar que nós temos muita gente presa. Aliás o relatório dos direitos humanos acusou o nosso sistema judicial de ter muita gente no regime de prisão preventiva. Eu julgo que o que nós precisamos é de fazer uma reforma no sistema, de modo a dar uma configuração diferente ao sistema e permitir fazer face a essas situações. Por exemplo, a lei não permite prisões pequenas, de curta duração. Eu acho que nós devíamos implementá-lo porque leva o criminoso a pensar sobre a sua forma de viver. Devemos também rever o nosso sistema penal de modo ajustar essas situações. 

A UCID afirmou que a justiça em Cabo Verde está num beco sem saída. A afirmação é verdadeira? 

Não creio que estejamos num beco sem saída. Sendo militante da UCID, a justiça não está num beco sem saída porque entendo que nós temos uma solução para a justiça. Basta fizermos uma reforma séria das leis que aplicamos. Eu entendo que nós ganharíamos mais alargando o poder do Juiz, e não ter medo dele. Neste momento, critica-se muito os magistrados, mas eu entendo que é nos magistrados que nós vamos encontrar a solução para o sistema, fortalecendo os seus papéis. Não é nas leis que nós vamos encontrar a solução porque nós sempre revemos leis mas o problema continua. Eu penso que nós devemos é transferir aos magistrados o poder de fazer justiça e realizar o direito.

O problema da justiça em Cabo Verde vem de longa data. Podemos também dizer que o actual governo tem alguma culpa nisso?

Todos os governos têm culpa nisso. Nós os juristas ou profissionais de justiça temos um conjunto de sugestões que nunca foram implementados pelos políticos ou governo. O principal beneficiário com o sistema actual da justiça é o Estado e os municípios. Eles têm aquilo que nós chamamos de o privilégio da execução prévia, e portanto chegam e praticam actos administrativos, etc., que produz efeito na esfera jurídica dos cidadãos, e os cidadãos só têm de acatar ou ir para o tribunal. E quando vão para o tribunal as coisas ficam lá. E há um outro aspecto, as últimas reformas do processo civil engordaram o papel do Estado, ou seja neste momento as causas com o papel do estado praticamente não andam. O sistema está montado de modo a proteger o Estado e os municípios, e eles não querem modificá-lo de modo terem benefícios. Por conseguinte, os políticos são os grandes responsáveis pelo sistema de justiça que nós temos.


Por: Eduardo Afonso

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