A Espanha vive um momento de elevada tensão política, enquanto uma das suas regiões mais importantes pressiona pelo divórcio, uma questão que há séculos paira sobre os ares do país. A Catalunha, cuja capital é a famosa cidade de Barcelona, marcou, para o passado dia 1 de Outubro deste ano, um referendo com vista a permitir que os cidadãos se posicionasse sobre a possibilidade ou não de independência. O seu território ainda faz parte da Espanha, mas usufrui de forte autonomia política e administrativa, à semelhança de várias outras regiões autónomas daquele país europeu, como a Galiza, as Canárias ou o País Basco, um dos mais reivindicadores da independência, entretanto, um pouco adormecido actualmente.
Embora nunca tenha sido uma nação independente, a Catalunha tem um governo regional, conhecido como Generalitat, com as suas próprias instituições como a polícia (os Mossos d'Esquadra) e também uma Suprema Corte. Além disso, tem o seu próprio idioma oficial, o catalão, que é falado pela maioria da população, embora o espanhol seja também comumente ouvido nas ruas e ensinado nas escolas. Apesar de serem parecidos para quem os ouve pela primeira vez, o catalão e o espanhol não são da mesma família entre as línguas latinas, nem variações do mesmo idioma.
Para os catalães, a separação é uma oportunidade de reforçar a sua identidade, sobretudo no campo da cultura e da língua. Muitos separatistas dizem que não se sentem espanhóis ou não concordam com as políticas adotadas por Madrid. Este é um fator, inclusive, que vem se fortalecendo nos últimos anos, sobretudo em termos económicos, somando-se à causa cultural dos independentistas.
Catalunha: Por detrás das batalhas independentistas
A Catalunha é uma das 17 comunidades autónomas espanhola, unidades administrativas que repartem todo o país em regiões mais ou menos como os Estados no Brasil, mas com pouco mais de autonomia política, económica e jurídica. A figura das comunidades autónomas surgiu na Constituição de 1978, após o final da ditadura franquista, onde o poder era extremamente centralizado. A ideia era, justamente, descentralizar o poder. Elas podem, portanto, aprovar leis e realizar as tarefas executivas que estejam estabelecidas em seu estatuto próprio. Têm, inclusive, um presidente que, no caso da Catalunha, se chama Carles Puigdemont. O Governo que ele preside se chama Generalitat e há, ainda, um parlamento próprio, o Parlament.
A diferença entre a Catalunha e a Comunidade Autónoma de Madrid, por exemplo, é que ela possui uma cultura e uma língua própria (o catalão), assim como acontece, por exemplo, com o País Basco e a Galiza. Ela está localizada no nordeste, na fronteira com a França, e é formada por quatro províncias: Girona, Lleida, Tarragona e Barcelona, que é a capital. Tem uma população aproximada de 7,5 milhões de habitantes (15% da população espanhola), o que a coloca como a segunda maior comunidade da Espanha (Andaluzia é a primeira).
Os independentistas afirmam que a Constituição de 1978 é "adversa aos catalães" e que há no país um processo de sufocação da autonomia e da descentralização da comunidade. Além disso, reclamam que a Catalunha, cuja economia é uma das mais importantes da Espanha – uma vez que representa 19% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol –, contribuindo sobremaneira para o orçamento e o PIB espanhóis. Por isso, existe um sentimento dos catalães de que a região é usada para financiar as demais comunidades do país.
Em 2005, o Parlamento da Catalunha aprovou um novo estatuto de autonomia para atualizar o que estava em vigor desde 1979. Na ocasião, 120 dos 135 deputados regionais foram favoráveis ao texto, que tinha como um dos pontos principais o acréscimo do termo "nação" para se referir à comunidade autónoma e a criação de um Poder Judiciário próprio.
O Desembocar da Crise Actual
Dezassete meses depois de assumir a presidência da Generalitat, Puigdemont anunciou, a 10 de junho de 2017, que estava convocando um referendo popular para o passado 1 de outubro, em que se perguntaria à população: "Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de República?".
Mariano Rajoy, actual chefe do Governo espanhol, recorreu ao Tribunal Constitucional, que afirmou que a consulta era inconstitucional, pois não estava prevista na Constituição. Ou seja, para acontecer, seria necessário mudar o texto constitucional. O Governo catalão respondeu que não acataria a decisão, despertando a reação do Governo central. Conforme os dias foram avançando, a tensão entre as duas partes foi-se aumentando: 14 membros do comando que organiza o referendo acabaram presos e 10 milhões de cédulas eleitorais foram apreendidas. Milhares de pessoas tomaram as ruas em protesto. Argumentam que a postura da Espanha é antidemocrática ao impedir uma consulta popular.
O Futuro: Alguma incerteza, com o 155 em cima da mesa
“Isso é algo que ninguém arrisca prever”. O temor de violência é grande, já que Governo determinou o fechamento dos colégios eleitorais e deslocou para a Catalunha 6.000 policiais. Rajoy também colocou sob o seu comando os Mossos, a polícia catalã que pertence ao Governo regional, mas ele não sabe se estes policiais seguirão as suas ordens. No resto da Espanha, a postura de Rajoy tem apoio maioritário, ainda que também se encontre críticas quanto à falta de habilidade do Primeiro-Ministro para lidar com a situação, que pode ter funcionado como combustível para que milhares de catalães tomem as ruas em protesto.
“ O que realmente vai acontecer agora é muito difícil de responder porque é complicado e impossível prever alguma coisa nesta situação. O curioso e caricato da história é que eu passei largo tempo em Barcelona, privei com os movimentos independentistas, tenho fotos de bandeirinha em manifestações de dois dias da região e da Generalitat. Hoje, anos mais tarde, moderei a minha opção e sou, confesso, um pouco soberanista, até porque não tenho dúvida que, apesar da forte influência dos independentistas, a maioria dos habitantes da Catalunha não é adepta da independência, porventura duma solução mais alargada de autonomia”.
Facto escondido do povo catalão, o não dito
“Para o esbater desse forte sentimento autonomista, não obstante a forte máquina de propaganda que a rodeia, muito contribuiu o facto de se ter descoberto há poucos anos que Jordi Pujol, o grande obreiro da autonomia catalã e presidente da Generalitat entre trinta a quarenta anos, tinha uma fortuna fabulosa "escondida " na Suíça. O que ele justificou com uma herança paterna, creio. O autor do ditame "a minha primeira pátria é a Catalunha, a segunda é a Europa e a terceira é a Espanha” até pode ter razão quanto à proveniência do dinheiro, só que escondeu tudo de todos. Entretanto, descobriu que a família, particularmente, um dos filhos, recebia uma comissão por investimentos realizados por empresas na Catalunha, dinheiro que também foi descoberto na Suíça, levando ao desmoronar para muitos daquele ideal puro de independência para o maravilhoso povo da Catalunha”, afirmou José David Brasão, docente da Universidade Lusófona, em Portugal, em entrevista à Folha Académica.
O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, afirmou na passada quinta-feira, numa nova carta, que a independência será formalmente votada no Parlamento catalão se o Governo espanhol "persistir em impedir o diálogo e continuar a repressão". O Parlamento "pode prosseguir, se assim entender, a votação da declaração formal de independência que não votou no dia 10", afirma.
Segundo o jornal El País, Puigdemont não quis avaliar na sua nova carta a oferta de diálogo dentro do Congresso feita pelo Governo ou a possibilidade de convocar eleições regionais para evitar a aplicação do artigo 155 da Constituição. Ele ressaltou que o diálogo que pede deve se traduzir numa reunião com Rajoy. O que poderá acontecer daqui para a frente não se pode prever, mas o certo é que, a partir de hoje, não será mais como antes. A batalha contínua e a guerra não tem um fim previsto.
Por: Edneise Monteiro
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