quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O acanhado estado de justiça em Cabo Verde

O século passado viu o começo e o fim de dois sistemas em que tanto se discute hoje, a relação de política e Justiça, era indiscutível. Tanto no comunismo como no fascismo a Justiça servia ao Estado totalitário. Em nenhum dos dois sistemas, o aparato formal da Justiça precisou se adaptar muito à nova ideia: só sacrificou o luxo da liberdade. O Estado manifestava a vontade nacional, e a Justiça lhe obedecia, e pronto.
Simulando fazer justiça, os nossos Tribunais foram transformados em poderosos instrumentos destinado a perseguir e silenciar os cidadãos incómodos para com o sistema. Num verdadeiro Estado de Direito, os Tribunais devem agir em função dos alegados crimes cometidos e não em função das pessoas a serem julgadas. Na verdade, a maioria das pessoas tem essa ideia de que a justiça democrática deve estar ao serviço do comum dos mortais.
Porém, na prática, tantas vezes vemos que isso não tem acontecido. Torna-se vergonhoso de tão recorrente que os nossos Tribunais tenham vindo a administrar a Justiça como se fosse um instrumento de retaliação e, em muitos casos, ela é interpretada como um simples negócio. Num Estado de Direito democrático em que vivemos hoje, em pleno século XXI, no dito mundo globalizado, ainda o nosso estimado Estado carece de uma justiça serena e justa.
     Podemos dizer, sem margem para muitos erros, que não existe uma “justiça absoluta”, ou seja, aquela que se pode considerar de absolutamente isenta. Ela é sempre determinada por circunstâncias, seja o grau da sua submissão a um poder autoritário, seja a conveniência política do momento. Diante de um juiz, está-se sempre diante de uma arrogância assumida, resta saber que tipo de arrogância é: a autorizada pela vontade de um Estado totalitário, como no caso do juiz nazista, ou a que a própria Justiça se permite como um poder independente que só deve satisfações a si mesmo. Muitas das decisões do Supremo e dos juízes heróis têm sido subjetivas, justamente numa área — a Justiça — em que a subjetividade é tão suspeita quanto a intuição na medicina.
     Para que o mal vença, basta que os bons cidadãos fiquem quietos, calados e sem fazer nada. Há umas semanas, Cabo Verde inteiro mostrou o seu desconforto com a notícia de que três agentes da Polícia Nacional andavam envolvidos em assaltos a residências e outros crimes, perpetrados pela ilha de Santiago. O que dizer dessa situação, se até as autoridades que têm o dever e a responsabilidade de nos defender dos marginais se convertem em bandidos, espalhando terror na sociedade? É vergonhosa e lamentável que uma situação dessas esteja a acontecer. Compreende-se a consternação da sociedade civil, já que não é suposto os agentes da autoridade serem apanhados em atos de “banditismo”. As chefias tentaram, e bem, tranquilizar a população, anunciando que os infratores estavam bem identificados e que se tratava de uma minoria insignificante dentro da generalidade da Corporação Policial, o que é a mais pura das verdades.


    Há dias a Ministra da Justiça, Janine Lélis, num debate sobre o mesmo assunto, disse alto e em bom som que, nos últimos cinco anos, foram alocados ao sector da justiça, um total de 8.5 milhões de contos para o funcionamento desta, lembrando que a realidade orçamental do país é, por todos, conhecida. Por isso, caros senhores e magistrados da justiça, a desculpa não deve ser estar na falta de meios sem que previamente se faça a necessária correlação entre os recursos que foram alocados e os resultados.
    
    Um outro detalhe importante de sublinhar é que, segundo Janine Lélis, em 2007, entraram nos tribunais 6.919 processos, situando-se a pendência desse mesmo ano em 13.272 processos, sendo que de 2007 a 2015, a média de processos entrados foi de 9.983 e a média os processos pendentes foi de 13.416. Ainda, a Ministra disse que foram contratados, neste período, 22 magistrados judiciais e 23 magistrados do Ministério Público, foram recrutados 139 oficiais de justiça. Entretanto, reconhece que o reforço dos recursos humanos ao longo deste ano não se traduziu na diminuição das pendências a nível dos tribunais.
    
    O jogo, muitas vezes público, de apontar o dedo aos outros, procurar culpados, desresponsabilizar-se pelos resultados, não contribui, em nada, para resolver os problemas. Só incentiva a uma maior inércia nos diferentes subsectores, com prejuízo evidente para a eficácia global da justiça. A verdade é que a justiça em Cabo Verde é deficiente. Praticamente não funciona, carece de uma postura e severidade por parte dos magistrados e conta com várias lacunas a serem preenchidas. Não existe uma paridade de tolerância entre os Tribunais e os "utentes" da justiça. Os Tribunais levam anos e mais anos com os processos engavetados, resultando na prescrição dos mesmos por negligência. Para os utentes, a tolerância é zero.
      A ineficiência da justiça tem vindo a prejudicar seriamente o país e a incentivar o cidadão a tentar fazer a justiça com as suas próprias mãos. O que precisamos é acabar com a morosidade da justiça e maior responsabilidade e seriedade dos profissionais do sector. Este é o verdadeiro estado de justiça em Cabo Verde.

Por: Edneise Monteiro

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